quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Memórias, pessoas e ambientes


Paulão vez ou outra vai à mercearia tomar cerveja e conversar com os turistas do Madeira. Certo dia, surpreende um de nossos narradores e tece uma conversa. Assim, torna-se um personagem: o homem que vive à margem do rio e que tem uma profissão para cada estação do ano. Lavrador, guia ambiental ou pescador, tanto faz, só vai depender se chove ou faz sol.

José Márcio é índio desaldeado. Seu povo, Fulni-ô, que um dia viveu no Pará, largou em massa a terra para tentar a vida na cidade, desfez das marcas tribais para realizar o sonho da "prosperidade" em outra aldeia: a global. Hoje, trabalhando em um frigorífico no município rondoniense de Vilhena (onde foi descoberto por outro de nossos narradores, seu colega de serviço), José Márcio conta que vê os parentes de tempos em tempos, mas não tem mais referência geográfica. Não gosta de telefone e lembra com orgulho da "dança da chuva".

Hilda usa roupas curtas e gosta de conversar. É faxineira e lavadeira, migrou de Mato Grosso para Rondônia, cria um filho adolescente sozinha e vive às voltas com o coração. É passional nas mínimas atitudes. Quando vai definir a vida, diz que não aceita o sofrimento. E ponto. "Eu tenho que estar forte". Ficou conhecida quando bateu papo com seu vizinho de prédio, por sorte, um narrador amazônico.

Com o sol forte de Ariquemes (RO), Amabile, de tão branquinha, ganhou sardas no nariz. Cresceu por lá e um dia atravessou o estado, vindo parar na última cidade antes do Centro-Oeste, Vilhena. Filha e irmã de garimpeiros, insiste em quebrar preconceitos relacionados ao trabalho que sustenta sua família. Até arrisca a escrever sobre uma substância química e poluente chamada azougue. Coisa que pra ela um dia foi brinquedo. Ana Cláudia tem bochechas chamativas como o urucum. Certas férias, foi passear na casa dos pais, em Pimenta Bueno (RO) e quase não voltou a Vilhena: "é difícil ficar longe do meu habitat". Com essa naturalidade de quem reconhece o campo como morada, afirma que as sucuris são bonitas e que seu prazer está bem longe da cidade. Um dia, surpreendeu, com uma fotografia nas mãos: "Professora, olha que cobra bonita, tem três cores!". Vinda da Bahia ainda pequena, cresceu na roça que o pai, colono, recebeu do governo. Ao contrário de Paulão, José Márcio e Hilda, essas duas não foram "descobertas", se apresentaram. E, assim como outros estudantes de Comunicação Social/Jornalismo que integram este projeto, aceitaram falar de si, antes de falar do outro - tarefa complicada para os repórteres do dia-a-dia, que pouco se reconhecem em primeira pessoa.

O que tanta gente diferente tem em comum? O território. Todos fazem da Amazônia sua morada e, com isso, sua referência de vida. Neste blog, você acompanhará relatos cotidianos de sobrevivência na Floresta que vão muito além de políticas públicas, campanhas, discursos ou das várias idéias que o resto do mundo tem deste lugar. Seja pelas memórias de nossos narradores, que contam suas experiências, ou pelos perfis jornalísticos de pessoas e ambientes, você verá aqui o resultado de um trabalho de imersão no outro - na dor, no aprendizado e no pensamento do outro - como reflexão para nossa história coletiva. Bem-vindo!


Professora Patrícia da Veiga Borges
Coordenadora de Extensão do Centro de Comunicação Digital da Amazônia

3 comentários:

Anônimo disse...

Lindo! Explêndido!

Eis um pouco da história do nosso povo em um trabalho muito bem orientado e produzido por Patrícia e Juliano, que nos guiaram para chegar a esse trabalho super bacana.

A vocês, meu muito obrigado!!!
Sandro Melo Vieira

Anônimo disse...

Olá....me surpreendi agora sentindo um orgulho que ha muito não sentia....o orgulho de podermos mostrar como é nossa região;;;;nossa terra, que ha muito é desconhecida..mesmo com todos os esforços que fazem para "descobri-la"....não somos tão simples....temos muito para mostrar.....

Aqui fica meu abraço..de alguém que se orgulha de conhecer os responsáveis por isso tudo...projeto lindo como o povo que nele é descrito.....
Gleice Roberta Machado

Anônimo disse...

Muito bom! Graças a divulgação deste bonito trabalho no seminário de extensão universitária, pude conhecer um pouco das histórias narradas por vocês...voltarei outras vezes. Obrigada!!!
Silvana Ramos de Campos.